quinta-feira, 7 de julho de 2011

Incidente 111

Seguia eu madrugada adentro pela longa rodovia, a guiar meu automóvel e observar as faixas do asfalto, que passavam por de baixo dos pneus de forma cada vez mais rápida, à medida que meu pé afundava no acelerador. A escuridão era vencida pelos faróis acesos, e com um vagar angustiante, o relógio me parecia cada vez mais preguiçoso para dar seqüência aos minutos. Os carros no sentido contrário foram rareando, até que finalmente me vi só, na companhia apenas de meus pensamentos, e o som do rádio desaparecer com o sinal da última estação. Verifiquei as horas, que marcavam 1:11 do dia 11:11 no painel digital, uma bonita coincidência. Na pista, vi ao longe a imagem de uma jovem mulher, a acenar, como se ajuda pedisse. Parei, com hesitação, e vi que ela estava desacompanhada. Abri parcialmente o vidro lateral e ela se aproximou. - Moça, você precisa de alguma ajuda? - Sim - respondeu a moça laconicamente, após baixar de forma tímida seu belo e expressivo rosto, e esconder seus grandes olhos castanhos. - Posso fazer algo por você? - Por favor, preciso de uma carona. Minha família está aguardando por mim lá adiante. Mais tranqüilo deixei que ela entrasse e segui viagem com uma calada caroneira. Pedi onde seria seu destino, e ela apenas apontou para frente. Passado algum tempo, sem que trocássemos palavra, minha convidada mostrou um carro parado e disse se tratar de sua família. Estranhei o veículo, uma Brasília de cor bege, que era veículo antigo, mas muito bem conservado, como se tivesse saído a pouco do restauro. Encostei a uma distância segura, alguns metros adiante. Ela abriu a porta, virou-se para mim e disse: "Você é uma boa alma. Nunca ninguém me ajudou. Tenha certeza que sua vida será repleta de paz e felicidade. Você sempre será protegido". Antes de desembarcar, beijou minha face, foi quando senti o aroma de um perfume muito agradável, porém estranhei seus lábios gélidos. - Qual o seu nome, moça? - Angélica - respondeu a correr para sua família, que já a aguardava fora do veículo. Pelo retrovisor a vi abraçar a todos, que me pareceram ser seus pais, além de um casal de crianças, talvez seus irmãos. Tentei religar o carro, mas o motor não respondeu a nenhuma das tentativas. Verifiquei os instrumentos para detectar alguma anomalia, mas nada encontrei de estranho. Pensei em pedir ajuda aos meus novos amigos, mas ao olhar para trás vi apenas a escuridão e o silêncio. Um frio passou pelo meu corpo, e meus pulmões pararam de funcionar por alguns segundos. Recobrei-me e desci do carro. Nada havia do carro ou da família. Tomei uma lanterna no porta-malas e iluminei o local. Não havia pegadas de Angélica ou rastros de pneu no acostamento, como se há muito ninguém passasse por ali. Joguei o facho de luz e percebi uma apodrecida cruz de madeira, que segurava uma coroa enferrujada, ao lado de uma placa que indicava o quilômetro 111 da rodovia. Embarquei novamente e tomei um grande susto ao verificar que o relógio ainda marcava 1:11 estranhamente o rádio voltou a funcionar, e o locutor pediu a atenção, porque naquele instante fazia 20 anos que ocorrera um bárbaro e curioso crime. Dizia ele que, numa rodovia local, uma família composta por um casal e três filhos, foi tomada de assalto, quando pararam para um descanso. A filha mais velha, de nome Angélica, havia sido torturada e morta, e seu corpo jogado no mato, à beira da pista. Os bandidos levaram o restante da família adiante, e em frente à placa do KM 111, executaram o casal e as crianças, e atearam fogo no veículo, uma Brasília bege. Disse ainda, que o crime ocorrera próximo da 1:11 da madrugada, coincidências que enchiam de mistério o caso. Terminou afirmando que a cada aniversário da tragédia, muitos viam uma estranha moça a pedir carona no local em que Angélica padeceu, e outros afirmavam ver uma Brasília bege com uma família dentro, exatamente no quilômetro 111. Depois pediu uma oração à família, e que Deus permitisse que Angélica encontrasse os seus. Aos prantos, fiz a minha oração. Na primeira tentativa, o motor de meu veículo funcionou. Dirigi vagarosamente o resto da noite até a metade do outro dia, sem procurar destino ou compromissos, apenas segui adiante, até que o pavor finalmente cedeu lugar à certeza de que algo muito extraordinário aconteceu comigo, naquela madrugada do dia 11 de novembro.

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